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À Conversa com Louis Noir

03 de Março de 2012



Para rematar as nossas publicações escritas sobre as semanas de moda que preencheram de energia criativa o passado mês de Março de 2012, resolvemos, ao invés de uma crónica, convidar uma cara já conhecida do StreetLights.pt para uma conversa particularmente baseada na ModaLisboa Freedom e o Portugal Fashion. Louis Noir, estudante de Design de Moda na ESAD, acompanhou o Tiago Loureiro num debate informal. Acompanhem-nos também!

 

Louis Noir (LN): O Portugal Fashion, nesta edição, dividiu-se em dois pólos. O seu impacto dissipou-se, não achas?



Tiago Loureiro (TL): Acho. Apenas porque não foi bem dividido. Penso que dois dias em Lisboa e dois no Porto eram mais favoráveis ao acompanhamento por todos os profissionais de moda e media, que se poupavam de correrias desmesuradas, e para as próprias coleções. E como vê um portuense este escape do maior evento de moda da Invicta para Lisboa, de maneira a obter maior divulgação?



LN: Tal atitude fez-me logo pensar que era uma maneira ótima de quebrar a tensão regional que ainda perdura, mesmo a nível do Design. Este é o único ponto positivo, a meu ver. O Porto e as iniciativas do e no Porto consagram-se natural e, talvez, unicamente deste modo. Tal "fuga" para uma hipotética luz central não me parece fazer grande sentido. O roteiro arquitetónico, cultural e artístico do Porto não perde relevância por se manter fiel a si mesmo sem grandes interrelações com Lisboa. Se o Norte, e com ele a pujante indústria têxtil, pode subsistir por si só enquanto núcleo duro - ainda em formação - qual a lógica de dissipar um esforço conjunto de vários anos? Lisboa é a visibilidade, percebo. Madrid e Barcelona: as duas subsistem? Sim.



TL: A ideia que todos nós temos sobre o Portugal Fashion é de que é uma boa plataforma de negócios para todos os designers que apresentam. No entanto, à conversa com um designer que apresenta o seu trabalho no LAB da ModaLisboa, este confessou-me que se fosse convidado para apresentar no Porto não aceitaria, porque ali não teria visibilidade nem retorno do investimento. Que me dizes sobre isto?



LN: Essa opinião contraria algumas outras. De qualquer forma, julgo que qualquer plataforma tem o seu benefício, mas logicamente que haverá uma predileta pelo foco exercido sobre ela. Mas repara que nem Buchinho nem Xiomara deixam os seus desfiles e lojas. Além disso, a cultura underground é bem mais presente aqui em cima, podendo ser uma boa estratégia apostar em nichos aliando estética a valores monetários mais terrenos. Eu discordo dessa opinião pois certa parte dos designers do BLOOM ingressam empresas têxteis nortenhas, mais o fariam houvesse oportunidade. Talvez se a aposta a nível de visibilidade online fosse maior, a exportação almejada seria mais possível... os bloggers contavam-se pelos dedos, a facilidade de acesso concedida a estes para cobrirem o evento podia ter sido melhor não concordas?



TL: Concordo com todos esses pontos e, em relação à blogosfera, confesso-te que o que nos levou ao Portugal Fashion foi precisamente a ausência de cobertura de qualidade do street style do evento. Por falar em underground, que é um estilo que associamos à cor preta, a roupas mais despojadas, precisamente o que vimos na ModaLisboa. No Portugal Fashion, pelo contrário, há muita cor e os brilhos são também uma grande aposta. Como explicas esta ambiguidade? Já te tinha ocorrido?



LN: Pergunta complicada... A cor e as texturas exuberantes fazem mais sentido quando existe a necessidade de revitalizar algo. Não quero fazer um paralelismo erróneo, mas quando uma dificuldade se generaliza o mais expetável são caras sisudas e roupas despojadas de fervor. Para mim, um dos papéis do Design é transcender estados de espírito podendo alterá-los forçosamente através da manipulação de silhuetas e sobretudo de cores directamente ligadas à sensibilidade emotiva. Até o BLOOM se viu nesse raiar, de gosto dúbio, mas até esses têm que transmutar-se à realidade vigente. Achas que o BLOOM careçe de algo face ao LAB [ModaLisboa]? A intensidade e a "sombra" inerente fazem sentido em Lisboa, em termos comerciais?



TL: Acredito que sim. Faz sentido porque muitos designers não têm financiamento para grandes coleções, logo eles próprios sentem-se bem segregados dos desfiles mais maduros até conseguirem ter pujança para enfrentar desafios mais perniciosos, E penso que o LAB tem um ligeiro cruzamento com a arte e a performance que o BLOOM não tem. Lembro-me de Valentim Quaresma ou Lara Torres, por exemplo. Penso que poderiam aproveitar o espaço para explorar cruzamentos com a tecnologia e torná-lo um espaço de maior experimentação e não uma mera incubadora de novos talentos. Não achas que seria importante dar espaço a estes "duetos improváveis"?



LN: Idilicamente sim, claro. Mas se o BLOOM não cumpre na íntegra o seu propósito e se ainda não consegue dinamizar o tecido industrial de forma a revitalizar e alterar os preconceitos instalados... Repara na dificuldade em obter patrocínios, repara na diferença entre o público dos "majores" e o destes. Imagina a dificuldade que seria criar sinergias com áreas originalmente alheias à moda, se dentro da própria moda portuguesa as interligações são débeis e tanto a mentalidade de algumas partes como a realidade económica conluem numa ineficácia frustrante. Acho que a falta de lições de Marketing, a falta de visão e alguma letargia intrínseca trazem dissabores ao nível da criação, porque potencialidades, condições e motivações não faltam por entre os novos criadores e julgo haver um público ávido por novidades e proximidades, ao que é passível de ser feito no estrangeiro, etc. Acho muito mais provável esses duetos terem lugar numa interligação com Serralves, engenharias, designers de produto, etc, tornando um desfile num evento cultural abrangente. Dito isto, o Portugal Fashion prefigura e apoia vários concursos... o que pensas deles?

TL: Sendo o Portugal Fashion patrocinado pela Associação Portuguesa de Novos Empresários, creio que tem o dever de procurar e promover a procura de novos talentos, não só na moda como em todas as outras áreas de negócio. Portanto acredito que esses concursos são muito válidos. Mas atenção, estes só têm validade se os projetos apresentados foram passíveis de serem comercializados pelas empresas já estabelecidas, caso contrário não vale a pena investir. Aliás acho que é algo que falta aos estudantes de design de moda: concentram-se na inovação ou experimentação e esquecem o pragmatismo e a usabilidade. Não partilhas esta opinião?



LN: (Risos) Sou suspeito para comentar isso! Mas discordo, existem as duas vertentes, ambas com êxito, pelo menos no que toca ao concurso em si. Deve haver lugar para a experimentação, a proximidade do Design às artes e às engenharias deve ser potenciada e faz sentido dentro do núcleo certo e até como "bandeira" da criação jovem nacional. Como ótimo exemplar do contrário tens o Hugo Costa que teve êxito no AcrobActic onde às suas propostas não faltou rigidez, usabilidade, contexto e sentido. Eu acho saudável a "loucura" da experimentação para se crescer na Razão.



TL: Então, e recordando o que disseste há pouco sobre a experimentação e o cruzamento com outras áreas no LAB e no BLOOM, para quê apostar numa experimentação 'louca', se as empresas não investem em tais produtos?



LN: As propostas mais interessantes são exatamente as que aliam algum formalismo à experimentação, por exemplo, através da manipulação e alteração da matéria-prima, conferindo-lhe outras potencialidades. Esse desinteresse existente não é total nem imutável, não nos cabe rendermo-nos às evidências, mal seria do Design se não existisse uma corrente impulsionadora de fraturas. A solução poderá estar noutro lado. Pegando no já referido, não seria plausível a disponibilização de informação quanto a parcerias de sucesso, nichos de mercado improváveis, vendas online, etc?



TL: Tocaste num ponto muito interessante. Um amigo meu, insider da indústria, falou-me há pouco tempo do facto de os designers nacionais, investirem pouco em lojas online e até nos próprios sites, e os que têm, raramente atualizarem. Acho que é um território muito fértil e vejo o calçado português a investir imenso nessa vertente (a Eureka, a Shoes Closet, etc) e a indústria têxtil e a de moda, que é mais pró-ativa, não acompanham esta tendência. E para terminar, quais foram as tuas coleções favoritas no Portugal Fashion e o porquê da escolha?



LN: Luís Buchinho Knitwear e Hugo Costa. O primeiro habitualmente presenteia-nos com colecções muito ponderadas e sabedoras. Desde o domínio do drapping, aos cortes mais outwear justapostos com plissados... Buchinho domina as malhas como domina a curva feminina. E achei interessantíssimo observar a colecção, separada em duas, pois percebia-se o trabalho feito ao transmutar o conceito da calçada para os seus vários públicos, tanto pelo modo de uso do estampado, como pela tipologia de peça. Quanto ao segundo, foi um novo Hugo Costa, a técnica, os cortes, os prints mostram um designer revigorado, mostram um cool do BLOOM já grande para o berço. Achei a colecção muito madura, muito conetada com o pretendido mas não com o esperado, com um sentido de urbanidade que suspirava outros ares. Lados menos bons à parte, o Portugal Fashion nestes moldes compensou o esforço da equipa do Streetlights.pt?



TL: Muito! Primeiro porque foi uma experiência nova, foi a primeira vez que eu e o António Palma estivemos a cobrir este evento, depois porque nos deparamos com uma criatividade muito interessante, quer nos desfiles principais e nos BLOOM, o que valorizou o nosso trabalho. Os profissionais a apresentar o trabalho por cá, são também mais acessíveis e amistosos, em comparação com a ModaLisboa, e há uma dinâmica maior entre o público e o trabalho dos criadores. Por fim, agradeço-te a conversa e até uma próxima colaboração!

 





Para informações mais detalhadas sobre as coleções anteriormente referidas, consulte a nossa secção de desfiles,

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